"Existe uma lenda acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a terra, é o pássaro com o mais doce e suave dos cantos que já existiu. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro-alvar e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. Passa a vida procurando uma árvore desfolhada, de galhos cortantes e pontiagudos. E, morrendo, sublima a própria agonia e despede um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Nesse instante, cantando entre a ramagem bruta, se autoflagela e produz o mais perfeito poema musical a ser ouvido por todos os cantos da Terra, superando usa própria agonia. Assim o melhor é conseguindo as custa de sua profunda dor. Mas o mundo inteiro pára para ouvi-lo, e Deus sorri no céu. Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento... Pelo menos é o que diz a lenda.”
O livro
Muitos veem a sinopse deste incrível livro desta maneira:
{'Pássaros Feridos' conta a história da família Clearys. Tem início no começo do século 20, quando Paddy Cleary leva a esposa, Fiona, conhecida como Free, e os sete filhos do casal para Drogheda, uma fazenda de criação de carneiros, de propriedade de sua autocrática irmã mais velha, viúva e sem filhos, e termina meio século depois, quando a única sobrevivente da terceira geração começa a viver o seu grande amor. As figuras centrais dessa história são a indômita Meggie, única filha do casal Cleary, e o homem que ela ama, o belo e ambicioso padre Ralph de Bricassart. As alternativas da vida de Ralph levam-no de uma remota paróquia perdida no interior da Austrália aos salões do Vaticano, e as de Meggie, tirando um breve e infeliz casamento fora dali, fixam-na em Drogheda. Mas a distância não diminui os sentimentos, embora lhes modele a existência.}
Pássaros Feridos é um romance épico que retrata a vida no interior australiano, nas fazendas de criação de carneiros e conta a história de três gerações de uma família orgulhosa, porém singular, do início do século XX – os Cleary – que parte da Nova Zelândia para a Austrália em busca de uma vida menos dura. Baseada na lenda acima, a autora Colleen McCullough, nascida na Austrália e que é hoje considerada uma das melhores contadoras de histórias do mundo, conta de forma densa, simples e literalmente bem estruturada uma história de amor, ambição, bondade, ódio, insegurança, sentimentos reprimidos e momentos felizes vividos secretamente.A temática do livro é o amor proibido entre Meggie e o padre Ralph. Focando um tema polêmico sem dúvida, mas que nos revela um amor puro, de entrega total de duas almas que se completam ao invés de um grande pecado. E para além do amor entre estes dois personagens existem ainda muitas histórias e revelações que nos prendem verdadeiramente a atenção ao ponto de só conseguirmos respirar fundo depois de termos acabado de ler o livro.
Nas páginas 360 á 370 acontece na minha opinião o ápice do romance drástico, a união carnal do amor entre Meggie e O padre Ralph. Sim meus queridos, há nesse romance uma bela história entre um padre e uma mulher. Até onde um sentimento iria, faze-lo renunciar sua vocação ou entregar a Deus seu flagelo? Desta linda união veio muita dor e tristeza, mas para muitos a semente chamada 'Dane' veio a mostrar ao mundo como tudo da voltas, e o castigo sempre cai.
É claro que o tempo passa... o Padre se torna Arcebispo do vaticano. Meggie se casa, mas nasceu para ser presa a um único sentimento.
" Quando o automóvel do velho Rob apareceu roncando na estrada Meggie, na varanda do chalé, com a mão levantada, fazia sinal de que tudo estava bem e de que não precisava de coisa alguma. Ele parou no lugar de costume para virar o carro, mas antes disso um homem de short, camisa e sandálias saltou do carro, com a mala na mão.
- Viva, Sr O’ Neill! – Gritou Rob
ao partir.
Meggie nunca mais confundiria,
Luke O’ Neill e Ralph de Bricassart. Aquele não era Luke; nem mesmo a distância
e á luz que se dissipava rapidamente ela se deixou iludir. Permaneceu em
silêncio onde estava e esperou que ele descesse a estrada em sua direção. Ralph
de Bricassart. Ele concluíra afinal que a queria. Não poderia haver outra razão
para que viesse procurá-la um lugar assim, fazendo-se passar por Luke O’ Neill.
Nada nela parecia estar
funcionando, nem as pernas, nem a mente, nem o coração. Aquele era Ralph, que
viera reivindicá-la por que não conseguia sentir? Por que não corria pela
estrada ao seu encontro, para atirar-se-lhe nos braços, tão completamente feliz
por vê-lo que nada mais importava? Aquele era Ralph e ela era tudo o que ela já
quisera da vida; não passara mais de uma semana tentando arrancar esse fato do
seu espírito? Maldito fosse maldito fosse! Por que diabo teria ele de vir
quando ela estava começando a excluí-lo dos seus pensamentos, se não do seu
coração? Oh, tudo ia recomeçar! Aturdida, suando, colérica, ficou esperando,
estupidamente, observando a forma graciosa aumentar de tamanho á proporção que
se aproximava.
- Alô, Ralph. – Disse entre os
dentes apertados, sem olhar para ele.
- Alô, Meggie.
-Traga sua mala para dentro.
Gostaria de tomar uma xícara de chá?
Enquanto falava, ela entrou, na
frente dele, na sala de estar, ainda sem fitá-lo.
- Seria ótimo. – disse ele, em
tom tão artificial quanto o dela.
Ele seguia-se até a cozinha, e
ficou-a observando ligar um jarro elétrico, encher o bule com a água de um
pequenino aquecedor acima da pia e ocupar-se em tirar xícaras e pires do
guarda-comida. Quando ela lhe estendeu a grande lata de cinco libras de
biscoitos Arnotts, ele tirou da lata dois punhados de biscoitos e colocou-se
sobre um prato. O jarro ferveu, ela despejou a água quente do bule, deitou uma
colher de chá solto dentro dele e encheu-o de água borbulhante. E enquanto
levava o prato de bolinhos e o bule, ele a seguiu com as xícaras e os pires, de
volta a esta de estar.
Os três aposentos haviam sido
construídos em ao lado do outro de modo que o quarto de dormi se abria de um
lado da sala de estar e a cozinha do outro, o banheiro ficava além da cozinha.
Isso queria dizer que a casa tinha duas varandas, uma que dava para a escada,
outra para a praia. O que, por seu turno, significa que cada um deles tinha um
lugar para onde olhar, sem ter de olhar um para o outro. A noite caíra com
subitaneidade vinha cheio do barulho das águas, da rebentação distante no
recife, das idas e vindas do vento quente e suave.
Tomaram o chá em silêncio, embora
nenhum deles conseguisse comer um biscoito, e o silêncio prolongou-se depois
que o chá se acabou, ele desviando o olhar dela, ela mantendo o seu fixado na
buliçosa extravagância de uma palmeira-anã, do outro lado da varanda, que dava
para a estrada.
- Que aconteceu, Meggie? –
Perguntou ele, com tanta suavidade e ternura que o coração dela se pôs a bater,
frenético, e parecia morrer de tanta dor. Era a velha pergunta do homem á
menininha. Ele não viera a Matlock ver a mulher. Viera ver a criança. Amava a
criança, não amava a mulher. Odiara a mulher desde que esta principiara a
existir.
Os olhos dela buscaram os dele,
atônitos, ultrajados, furiosos; mesmo agora, mesmo agora! Parada no tempo, ela
olhou para ele de tal modo que ele foi obrigado a ver, com a respiração presa,
assombrado, a mulher adulta nos olhos de vidro. Os olhos de Meggie. Meu Deus,
os olhos de Meggie!
Ele fora sincero no que dissera a
Anne Mueller, só queria vê-la, nada mais. Conquanto a amasse, não pretendia ser
seu amante. Só viera vê-la, conversar com ela, ser seu amigo, dormi no sofá da
sala de estar, enquanto tentasse, mais uma vez, desenterrar a raiz do eterno
fascínio que ela exercia sobre ele, esperando que, se pudesse vê-lo totalmente
exposto, lograria os meios espirituais para erradicá-lo.
Fora-lhe difícil ajustar-se a uma
Meggie com seios, cintura, ancas; mas fizera-o porque, ao olhar para os olhos
dela, via luzir neles, como na chama da lamparina de um santuário, a sua Meggie. Uma mente e um espírito de cuja
atração nunca mais se liberta desde que a vira pela primeira vez, ainda não
mudada no interior daquele corpo tristemente mudado, mas enquanto lhe visse no
olhar a prova continua de sua existência, aceitaria o corpo alterado,
disciplinaria sua atração por ele.
E, examinando seus próprios
desejos e sonhos em relação a ela, nunca duvidara de que ela quisesse fazer o
mesmo, até o dia em que ela se voltara contra ele, como uma gata ferida, por
ocasião do nascimento de Justine. Mesmo, então, depois que a cólera e a mágoa
morreram nele, atribuíra-lhe a explosão ao sofrimento, mais espiritual do que
físico. Mas agora, vendo-a por fim como
ela era, foi-lhe possível localizar no tempo e no espaço o momento em que ela
se desfizera das lentes da infância e colocara as de mulher: o intervalo no
cemitério de Dougheda, depois da festa de aniversário de Mary Carson, quando
ele lhe explicara por que não podia dar-lhe nenhuma atenção especial, pois as
pessoas poderiam considerá-lo interessado nela como homem. Ela o fitara como
uma expressão nos olhos que ele não compreendera, depois desviara a vista e,
quando se voltara, a expressão se fora. E ele via agora que, a partir daquele
momento, ela pensara nele de modo diferente; ao beijá-lo, não o fizera movida
por uma fraqueza passageira, para depois voltar a pensar nele como sempre, como
ele pensava nela. Ele perpetuara as próprias ilusões, alimentara-as,
guardara-as em seu inalterado estilo de vida da melhor maneira possível,
usara-as como um cilício. Ao passo que, durante todo esse tempo, ela aparelhara
o amor que lhe votara com objetivos de mulher.
Sim, ele o reconhecia, desejara-a
fisicamente desde o primeiro beijo, mas o desejo nunca o atormentara como o
atormentara o amor; via-os separados e distintos, não como facetas da mesma
coisa. E ela, pobre criatura incompreendida nunca sucumbia a esse tipo de
loucura.
Naquele momento, se houvesse
algum modo de sair de ilha de Matlock, ele teria fugido dela como Orestes das
Eumênides. Mas não era possível deixar a ilha, e ele teve a coragem de
permanecer diante dela em lugar de pôr-se a andar sem destino pela noite afora
“Que posso fazer? Como reparar o que fiz? Eu amo-a! E se a amo, amo-a tal como
é agora e não com foi numa fase juvenil de sua vida. São as coisas de mulher
que sempre amei nela; o modo de carregar o fardo. Portanto, Ralph de
Bricassart, tire seus antolhos, veja-a como ela realmente é e não como há muito
tempo. Há dezesseis anos, há dezesseis longos anos... Tenho quarenta e quatro e
ela, vinte e seis; nenhum de nós é criança, mas sou muito mais imaturo do que
ela.
“Você julgou que tudo estava
resolvido no minuto em que apeei do carro de Rob, não é verdade Meggie? Supôs
que eu acabara cedendo. E a primeira coisa que fiz, antes que você tivesse
tempo de tomar fôlego, foi mostrar-lhe que estava completamente enganada.
Rasguei o tecido da ilusão como se rasga um trapo velho e sujo. Oh, Meggie! Que
foi que eu lhe fiz? Como pude ser tão cego? Tão egocêntrico? Só consegui vindo
vê-la, cortá-la em pedacinhos. Todos esses anos temos nos amado sem nos
entendermos.”
Ela continuava olhando para os
olhos dele com os seus cheios de vergonha, mas á proporção que as expressões se
sucediam no rosto de Ralph, até a última, de piedade sem esperanças, ela
pareceu compreender a magnitude do seu erro, o horror do seu engano. E mais do
que isso: compreendeu que ele estava a par de tudo.
“Vá, corra! Corra Meggie, saia
daqui com o resto de orgulho que ele lhe deixou!” Pensar foi o mesmo que agir;
Meggie levantou-se da cadeira e voou para fora.
Mas antes que chegasse á varanda
ele a segurou, de modo que o ímpeto da sua fuga fê-la girar sobre si e ela
acabou batendo nele com tanta força que ele cambaleou. Nesse momento, a luta
estafante para conservar a integridade de sua alma e a longa pressão feita pela
vontade para sufocar o desejo perderam toda a importância; em alguns instantes
ele vivera existências. Toda essa força jazia latente, adormecida, e
necessitava apenas do detonar de um toque para provocar um caos em que a mente
se submetia á paixão e a vontade da mente se extinguia diante da vontade do
corpo.
Os braços dela subiram para
cingir-lhe o pescoço, os braços dele envolveram-lhe as costas, em espasmos; ele
inclinou a cabeça, tateou com a boca a procura dos lábios dela, encontrou-os.
Lábios que já na eram uma lembrança desquerida, desamável, mas algo real;
braços que o enlaçavam, como se ela não pudesse suportar a idéia de deixá-los
partir; o modo com que ela parecia perder até a sensação dos próprios ossos; e
ela, escura como a noite, lembrança e desejo entrelaçados, lembranças
desquerida e desejo desamável. Os anos que ele devia ter ansiado por aquilo,
ansiado por ela e negando-lhe o poder guardando-se até da idéia dela como
mulher!
Carregou-a para a cama, ou ambos
caminharam até lá? Ele supunha que devia tê-la carregado, mas não podia ter
certeza; só sabia que ela estava lá, em cima da cama, e que ele estava lá em
cima da cama, a pele dela sob as mãos dele, e a pele dele sob as mãos dela. “Oh
Deus! Minha Meggie, minha Meggie! Como foi possível que me criassem desde
pequeno com a idéia de que você era a profanação?”
O tempo parou de bater e pôs-se a
fluir, arremessou-se a ele até perder o significado, transmudado na
profundidade de uma dimensão mais real do que o tempo real. Ele a sentia e, no
entanto, não a sentia, pelo menos, não a sentia como entidade separada;
desejando fazer dela finalmente e para sempre uma parte de si mesmo, um enxerto
que era ele próprio, e não uma simbiose em que ela figurasse como elemento
distinto. Nunca mais ignoraria o arfar dos seios, da barriga e das nádegas, nem
as dobras e as fendas existentes entre elas. Ela fora feita para ele, pois ele
a fizera; por dezesseis anos, por que o fazia. E esqueceu-se de que um dia se
desfizera dela, que outro homem mostrara a ela o fim que ele começara para si,
do que ele sempre pretendera para si, pois ela era a sua ruína, sua rosa, sua criação.
Um sonho de que ele jamais despertaria, enquanto fosse homem e tivesse um corpo
de homem. “Oh, meu Deus! Eu sei, eu sei! Eu sei Eu sei por que a guardei como
idéia e como criança dentro de mim, depois de tanto empoem que ela, crescendo,
deixara de ser idéia desse jeito?”
Porque ele compreendia finalmente
que o ambicionara ser não era um homem. Não era um homem, nunca um homem, senão
algo muito maior, que transcendia o destino do homem. Apesar disso, seu destino
estava aqui, debaixo de suas mãos, palpitante e vivo com ele, o seu homem. Sua
mulher. ’ Um homem, um homem para sempre. Senhor, não podereis ter-me evitado
isto? Sou um homem, nunca serei Deus; foi uma ilusão a vida em busca da
divindade. Seremos os padres, todos iguais, ansiando por ser Deus, abjurando o
único ato que prova irrefutavelmente que somos homens?”
Envolveu-a com os braços e
contemplou com os olhos marejados de lágrimas o rosto imóvel, francamente
iluminado, viu abrir-se-lhe a boca como um botão de rosa, arfar, tornar-se um O
indefeso de prazer maravilhado. Os braços e as pernas dela o envolviam, cordas
vivas que o ligavam a ela, e que o atormentavam, sedosos e insinuantes; ele
colocou o queixo no ombro dela, encostou o rosto na suavidade do seu rosto,
entregou-se ao impulso alucinante, exasperante, do homem engalfinhado com o
destino. Sua mente girou, escorregou, tornou-se inteiramente escura e
ofuscantemente luminosa; por um momento se sentiu dentro do sol, depois foi
diminuindo, acinzentou-se e esvaeceu-se. Isso era ser homem. Não poderia ser
mais. Não era essa, porém, a origem da dor. A dor estava no final, na percepção
vazia e desolada: o êxtase é fugaz. Ele não poderia deixá-la ir, agora que a
tinha; fizera-a para si. Por isso agarrou-se a ela com o naufrago se aferra a
um pedaço de pau no mar solitário e, logo, animado, subindo de novo com a maré
que se lhe tornara rapidamente familiar, sucumbir ao destino inescrutável que é
o destino do homem.
Que era o sono? Meggie refletia.
Uma benção, uma trégua da vida, um eco da morte, uma exigente maçada? Fosse o
que fosse, ele se entregara ao sono e jazia com os braços sobre ela e a cabeça
ao lado do ombro dela, possessivo até nessa hora. Ela também estava cansada,
mas recusava-se a dormir. De certo modo, temia que, se afrouxasse o domínio sobre
a consciência, ele talvez já não estivesse la quando ela tornasse ativá-la.
Dormiria mais tarde, depois que ele despertasse e a bela boca reservada
pronunciasse as primeiras palavras. Que lhe diria ele? Lamentaria o que
aconteceu? O prazer que ela lhe dera fora digno do que ele abandonara? Durante
tantos anos ele o combatera, fizera-a combater com ele, que mal podia acreditar
que ele tivesse afinal deposto as armas. Mas ouvira coisas ditas por ele no
meio da noite e no meio da dor que lhe apagavam a longa negação dela.
Meggie sentia-se supinamente
feliz, mais feliz do que se lembrava de já ter sido alguma vez. Desde o momento
em que ele a puxara da porta fora tudo um poema corporal, uma coisa de braços,
de mãos , de pele e de prazer total. “Fui feita para ele, e só para ele... Por
isso sentia tão pouco com Luke!”. Sustentada, além dos limites de resistência,
pela maré do seu corpo, só podia pensar que dar a ele tudo o que pudesse
dar-lhe era mais necessário a ela do qeu a própria vida. Cumpria que ele nunca
o lamentasse, apesar do seu sofrimento! Momentos houvera em que ela cuidara
senti-lo, como se o sofrimento fosse seu. O que só contribuía para a sua
felicidade, pois havia alguma justiça no sofrimento dele.
Ralph estava acordado. Ela olhou
para os olhos dele e, no azul desses olhos, viu o mesmo amor que a aquecera,
que lhe dera um propósito desde a infância; e, com ele, um grande, um nublado
cansaço. Não do corpo, mas da alma.
Ele estava pensando que, durante
toda a sua vida, nunca despertara na mesma cama ao lado de outra pessoa;
aquilo, de certo modo, era mais intimo que o ato sexual que o precedera, uma
indicação deliberada de vínculos emocionais, um aderir a ela. Leve e vazio como
o ar tão capitosamente cheio de maresia e de vegetação encharcada do sol, ele
deixou-se levar por algum tempo nas asas de uma espécie diferente de liberdade:
o alivio de renunciar a missão de combatê-la, a paz de ter perdido uma guerra
longa e incrivelmente sangrenta, achando a rendição muito mais doce do que as
batalhas. “travei com você um tremenda luta, Meggie! No fim, todavia, não são
os seus fragmentos que tenho de colar uns aos outros, mas os pedaços
desconjuntados de mim mesmo”.
“Você foi colocada em minha vida
para mostrar-me o quanto é falso e presunçoso o orgulho de um padre da minha
espécie; como Lúcifer, aspirei ao que pertence somente a Deus e, como Lúcifer,
caí. Eu tinha a castidade, a obediência e até a pobreza antes de Mary Carson.
Mas, até hoje cedo, jamais conhecera a humildade. Senhor, se ela não significasse
nada para mim, isso seria mais fácil de suportar, mas, as vezes, acho que a amo
muito mais do que a Ti, e isso também faz parte da tua pinicão. Não duvido
dela;mas e de Ti? Um truque, um fantasma, uma pilhéria. Como posso amar uma
pilhéria? E, contudo, amo.”
- Se eu pudesse reunir minhas
energias, iria nadar um pouco e depois prepararia o desjejum. – Disse ele,
louco por dizer alguma coisa, e sentiu o sorriso dela de encontro ao peito.
- Encarregue-se da natação que eu
me encarrego do desjejum. E olhe aqui não há necessidade de vestir roupa
nenhuma. Não aparece ninguém.
- É deveras o paraíso! –Ele pôs
os pés fora da cama, sentou-se e espreguiçou-se. – Uma linda manhã. Eu gostaria
de saber se isso não será um presságio.
Já a dor da separação, só porque
ele saltara da cama; ela permaneceu deitada, a observá-lo, quando ele se
dirigiu ás portas de correr que abriam para a praia, transpôs-lhes a soleira e
se deteve. A seguir, voltou-se e estendeu a mão.
- Não vem comigo? Podemos
preparar juntos o desjejum."
Na última página deste é terminado com as suas últimas revelações, como ela inicia achei muito bravo ter terminando com Meggie, em seus últimos dias em Drogheda. Então se segue assim:
O cabograma dizia:
"
'ACABO TORNAR-ME SRA. RAINER MOERLING HARTHEIM PONTO CERIMÔNIA PARTICULAR NO VATICANO PONTO BÊNÇÃO PAPAL PARA TODOS PONTO ISTO É POSITIVAMENTE SER CASADA EXCLAMAÇÃO ESTREMOS AÍ NUMA LUA-DE-MEL ADIADA ASSIM QUE FOR POSSÍVEL MAS EUROPA SERÁ NOSSO LAR PONTO SAUDADES PARA TODOS E DE RAIN TAMBÉM PONTO JUSTINE."'
Meggie pôs o pedaço de papel sobre a mesa e olhou, de olhos bem abertos pela janela, para a riqueza de rosas outonais no jardim. Perfumes de rosas, abelhas de rosas. E o hibisco, o equisseto, os eucaliptos, as buganvílias que subiam tão alto acima do mundo, as aroeiras. Como estava bonito o jardim, como estava vivo! Ver-lhe as coisas pequeninas crescer, mudar e murchar; e novas coisas pequeninas surgir de novo, no mesmo ciclo interminável incessante.
Era tempo de Drogheda parar. Sim, mas do que tempo. Que o ciclo se renovasse com desconhecidos. "Fiz tudo isso sozinha, não posso culpar ninguém. E não me arrependo de momento algum.
O pássaro com o espinho cravado no peito segue uma lei imutável; impelido por ela, não sabe o que é empalar-se, e morre cantando. No instante em que o espinho penetra não há consciência nele do morrer futuro; limita-se a cantar e cantar até que não lhe sobra vida para emitir uma única nota. Mas nós, quando enfiamos os espinhos no peito, nós sabemos. Compreendemos. E assim mesmo o fazemos. Assim mesmo o fazemos."
Pássaros feridos
Colleen McCullough
CIRCULO DO LIVRO
São Paulo
Titulo original: the thorn birds.
1977
Beijinhus meus amores leiam o livro e divirtam-se com lágrimas
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